quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Enquanto ela dormia.

Ele sentou ao lado da cama, enquanto ela ainda dormia. Teve vontade de acender um cigarro, mas lembrou que já não mais fumava há anos, por causa dela. Não que ela tenha pedido. Mas mesmo assim ela o fez parar.

Olhando para ela, que sempre dormiu com o dedo polegar sobre a boca ele viu o quanto sempre achou isso encantador. Pois parecia que ela pensava nele, mesmo dormindo.

E não conseguia deixar de encarar aquela pessoa, que dormindo, não pedia nada a ele. Não pedia a ele para ama-la, não pedia a ele para ficar. E percebeu que mesmo acordada, ela nunca fez isso, e talvez exatamente por isso ele tenha querido fazer tudo o que ela não pedia.

Deu um trago imaginário e recordou de quando se encontraram. Ele ainda apaixonado por outra pessoa e ela ainda com feridas de uma outra história. E se reconheceram e se aceitaram. E nunca falaram de amor.

Agora, anos depois, ele se deu conta disso. Nunca falaram de amor.

Sempre olharam com estranheza a mania que meio mundo tem em dizer que ama, sempre, incondicionalmente, e a cada duas semanas, pessoas diferentes. Amam perdidamente aquele namorado, terminam e na outra semana já amam para sempre o pretendente a namorado seguinte. Andam amando muito por ai, e eles sempre discordaram desse amor fácil demais.

Sempre concordaram em muita coisa, e quando discordavam era voraz. E adoravam discutir, porque sempre souberam fazer isso. Lembrou dela com raiva e sorriu, porque às vezes fazia de propósito, simplesmente achava lindo o rosto daquela mulher enfurecida. E ela quase nunca ficava, por isso ele tinha que forçar. O que não significava que ela fosse doce, sabia no entanto, ser encantadora em coisas que o mundo não percebia, muitas vezes nem ela. Mas ele sempre percebeu.

Achava ela estranha, ainda hoje achava. Estranhava o fato dela não ter vergonha de ficar na fila do algodão doce, enquanto puxava assunto com uma criança de 6 anos. Ou de sentar na calçada pra conversar com um vira lata e olhar pra ele pedindo 'podemos ficar com o cão?', mesmo sabendo que não podiam. Dela gostar de musicais antigos da mesma forma que gosta de Star Wars. Mas princialmente estranhava ela ter sido a primeira pessoa com quem ele quis dançar abraçado na cozinha, depois de tê-la visto tantas vezes rodopiando sozinha enquanto esperava a comida esquentar. Deveria ter feito isso mais vezes, desde sempre, ele pensou.

Odiava quando ela ficava com preguiça de contar alguma coisa, no meio da história, e desistia. E sempre se preocupou com ela sozinha pelas ruas, mas se divertia quando ela voltava, porque uma ida a padaria sempre rendia boas histórias enquanto tomavam café, se ela resolvesse contar a história inteira.

Sabia que ela gostava de abraço, então sempre que podia, ele a abraçava, sem motivo. Mesmo que fosse no meio de uma conversa sobre futebol. E ela sempre se surpreendia e ria, porque gostava e ele ria, porque gostava de ver ela rindo e riam juntos, porque ali sabiam que o 'ser feliz pra sempre' é só ser feliz, naquele momento, que fica pra sempre.

Lembrou do quanto ele a fez chorar, do tanto ela o feriu e que nunca mais conversaram sobre isso, porque algumas coisas só precisam passar. E passam. Passam, pra que a vida possa continuar.

Sempre soube o tanto que ela o conhecia, e tinha medo disso. Pois ela o conhecia melhor do que ele mesmo, o que não significava que ela o entendesse, mas ainda assim, ela o aceitava.

Teve ímpetos de cobri-la, numa demonstração de carinho, mas ele também sabia dela, e sabia que ela sempre dormia assim, meio descoberta. Então o carinho maior seria deixa-la exatamente como ela estava, meio descoberta. E ele deixou.

Tomou uma decisão e procurou algo no bolso. Percebeu que ali não havia nenhuma caixinha, pois ela nunca precisou de nenhum anel.

Mas quando acordasse, ela saberia, finalmente, que sempre foi amor.

6 comentários:

L. disse...

um conto da vida real?!? lindo por demais!

M. disse...

Se minha vida fosse toda assim, talvez eu nao precisasse quase inventar. Quase.

versesfree disse...

Que coisa mais linda de se ler.
Impossível não sentir uma pontinha de emoção.

Bia disse...

Achei seu blog nos comentários do Champ. Adorei o blog, em especial este post, tão belo, simples e delicado como o amor. Parabéns!

Anônimo disse...

um amor sem cobranças =)

M. disse...

É... só amor. Amor sem cobranças é pleonasmo...bem, pra mim é. =)